sexta-feira, 26 de junho de 2015

Casamento Entre Pessoas Do Mesmo Sexo, 10 Anos Depois: Lições do Canadá


CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO, 10 ANOS DEPOIS: LIÇÕES DO CANADÁ

Por Bradley Miller 

5 de novembro de 2012

Os efeitos do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Canadá – restrição do direito de livre expressão, dos direitos dos pais na educação dos filhos, e do direito das instituições religiosas à autonomia, junto com o enfraquecimento da cultura do casamento – fornecem várias lições para os Estados Unidos.

Será que o reconhecimento do relacionamento entre pessoas do mesmo sexo como casamento mudaria tanto assim as coisas? Que impacto, se é que haverá algum, isso poderia ter no conceito que a população tem de casamento, ou no status cultural do casamento em uma nação?

Não tem faltado especulação sobre essas questões. Mas a experiência limitada dos americanos com casamento entre pessoas do mesmo sexo até agora nos deu poucas respostas concretas. Faz sentido, então, examinar a experiência do Canadá, desde que o primeiro tribunal canadense estabeleceu o casamento entre pessoas do mesmo sexo há uma década. É claro que há importantes diferenças culturais e institucionais entre os EUA e o Canadá e, como é o caso em qualquer sistema político, muito vai depender da ação dos atores políticos e culturais locais. O que queremos dizer é que não é seguro assumir que a experiência canadense necessariamente vá se repetir aqui. Mas ela deve ser levada em consideração; a experiência canadense é a melhor experiência disponível do impacto, no curto prazo, do casamento entre pessoas do mesmo sexo numa sociedade democrática muito parecida com os Estados Unidos.

Qualquer pessoa interessada em avaliar o impacto de curto prazo na vida pública deveria investigar os resultados em três esferas: primeiro, direitos humanos (incluindo impactos na liberdade de expressão, direitos dos pais na educação pública, e a autonomia das instituições religiosas); segundo, consequências posteriores dos tipos de relacionamentos que a sociedade está politicamente disposta a reconhecer como casamento (por exemplo, poligamia); e terceiro, a prática social do casamento.

O Impacto sobre os Direitos Humanos

O efeito formal das decisões judiciais (e da legislação que se seguiu) estabelecendo o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo no Canadá foi simplesmente que pessoas do mesmo sexo agora podiam ter seus relacionamentos reconhecidos pelo governo como casamentos. Mas os efeitos legais e culturais foram muito mais amplos. O que transpirou foi a adoção de uma nova ortodoxia: que relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo eram, em todos os aspectos, equivalentes ao casamento tradicional, e que casamentos entre pessoas do mesmo sexo deveriam ser tratados daí por diante de forma idêntica ao casamento tradicional diante da lei e na vida pública.

A consequência natural disso foi que qualquer um que rejeitasse a nova ortodoxia estaria agindo com base em preconceitos e animosidade contra gays e lésbicas. Qualquer declaração de discordância em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo passou a ser considerada uma manifestação direta e aberta de ódio contra uma minoria. Qualquer explicação fundamentada racionalmente era descartada prontamente como pretexto (por exemplo, as que foram apresentadas nas discussões legais de que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é incompatível com o conceito de casamento como o relacionamento que atende às necessidades de estabilidade, fidelidade e permanência dos filhos resultantes do casamento – o que algumas vezes é chamado de conceito conjugal de casamento).

Quando alguém entende a oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo como manifestação de puro preconceito e ódio, torna-se muito difícil tolerar a longo prazo uma opinião contrária. A consequência foi que no Canadá as condições de participação na vida pública mudaram rapidamente. Os juízes de paz foram os primeiros a sentir os limites implacáveis da nova ortodoxia; várias províncias se recusaram a conceder aos juízes de paz o direito de recusar a celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo por motivos de consciência, e solicitaram sua destituição. Ao mesmo tempo, organizações religiosas, como os Cavaleiros de Colombo, foram multadas por se recusarem a alugar suas instalações para recepções de casamento.

O Direito à Liberdade de Expressão

O impacto da nova ortodoxia não se limitou ao número relativamente pequeno de pessoas sujeitas ao risco de serem coagidas a apoiar ou celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. A mudança afetou de uma forma bem ampla as pessoas que tivessem o desejo de se envolver em debates públicos sobre sexualidade humana, incluindo ministros religiosos. 

Muitos discursos que eram permitidos antes do casamento entre pessoas do mesmo sexo agora são arriscados. Muitos dos que insistiram em continuar manifestando sua discordância foram objeto de investigação por parte de comissões de direitos humanos e (em alguns casos) processados diante de tribunais de direitos humanos. Os mais pobres, com menos educação formal e menor apoio institucional foram alvos especialmente fáceis – leis antidiscriminação nem sempre são aplicadas de forma imparcial. Alguns tiveram que pagar multas, fazer retratações públicas, e se comprometer a nunca mais falar sobre o assunto publicamente. Os alvos do ataque incluíram indivíduos que escreveram cartas para os jornais locais e ministros de pequenas congregações cristãs. Um bispo católico enfrentou duas queixas – posteriormente retiradas – causadas por opiniões expressas numa carta pastoral sobre o casamento.

Cortes revisoras começaram a impor limites a comissões e tribunais (especialmente depois do imprudente processo contra Mark Steyn e a revista Maclean’s em 2009) e restauraram um enfoque mais abrangente da liberdade de expressão.  E em resposta ao clamor público gerado pelo caso Steyn/Maclean’s, o Parlamento do Canadá recentemente revogou a autoridade legal da Comissão Canadense de Direitos Humanos de tomar a iniciativa de investigar e punir “discursos de ódio”.

Mas o enorme custo financeiro de lutar contra a máquina dos direitos humanos permaneceu – Maclean’s gastou milhares de dólares em custas processuais, que não serão ressarcidos pelos tribunais, comissões ou pessoas que apresentaram queixa. E esses casos podem demorar uma década para serem julgados. Uma pessoa comum com poucos recursos que tenha chamado a atenção de uma comissão de direitos humanos não teria a menor chance de apelar aos tribunais; essa pessoa poderia apenas aceitar a advertência da comissão, pagar uma fiança relativamente pequena, e obedecer à orientação de permanecer em silêncio para sempre. Enquanto essas ferramentas estiverem à disposição das comissões – a quem a nova ortodoxia não deu nenhuma base teórica para tolerar oposição – envolver-se em debates públicos sobre do casamento entre pessoas do mesmo sexo é pedir para ser destruído. 

Pressão similar pode ser – e é – aplicada aos opositores por órgãos disciplinares (tais como conselhos profissionais e de ordem, associações de classe e outros do mesmo gênero) que tem poder legal de disciplinar seus membros por má conduta profissional. Expressões de discordância sobre a razoabilidade da instituição do casamento entre pessoas do mesmo sexo eram entendidas por esses órgãos como atos ilegais de discriminação, que são motivo para censura profissional.

Professores, especialmente, correm o risco de sofrer ações disciplinares, pois mesmo se eles fizessem declarações públicas fora de sala de aula criticando o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda assim são considerados promotores de um ambiente hostil a estudantes gays e lésbicas. Outros grupos existentes em locais de trabalho e associações de voluntários adotaram políticas parecidas como resultado de terem internalizado essa nova ortodoxia, na qual discordar do casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma discriminação ilegal que não pode ser tolerada.

Direitos dos Pais na Educação Pública

A institucionalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo causou uma alteração sutil nos direitos dos pais na educação pública em vários níveis. O debate sobre como abordar o casamento entre pessoas do mesmo sexo em sala de aula é muito parecido com o debate sobre o lugar da educação sexual nas escolas e sobre as pretensões governamentais de ser a principal autoridade sobre as crianças. Mas educação sexual sempre foi uma questão à parte, no sentido de que por sua própria natureza ela não pode permear a totalidade do currículo escolar. O casamento entre pessoas do mesmo sexo, porém, está num nível diferente.

Como um dos princípios da nova ortodoxia é que os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo merecem o mesmo respeito que é dado ao casamento, seus proponentes tem sido notavelmente bem sucedidos em exigir que o casamento entre pessoas do mesmo sexo seja retratado de forma positiva em sala de aula. Reformas curriculares em áreas como a Colúmbia Britânica agora impedem os pais de exercer o direito, que detiveram por um longo período, de vetar práticas educacionais controversas.

Os novos currículos estão permeados por referências positivas ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, não apenas em uma ou outra disciplina, mas em todas. Confrontados com essa estratégia de difusão, a única defesa dos pais é remover seus filhos totalmente das escolas públicas. Os tribunais não tem mostrado nenhuma simpatia às objeções dos pais: se os pais se agarram a preconceitos ultrapassados, seus filhos devem carregar o fardo da “dissonância cognitiva” – eles devem absorver posições conflitantes de casa e da escola enquanto a escola tenta convencê-los.

As reformas, obviamente, não foram apresentadas à população como uma questão de reforçar a nova ortodoxia. Ao contrário, a razão apresentada foi a prevenção do bullying; ou seja, promover a aceitação de crianças e adolescentes gays e lésbicas e de crianças provenientes de famílias formadas por cônjuges do mesmo sexo.

Encorajar a aceitação de pessoas é um objetivo louvável. Mas independente do que seja dito acerca do objetivo, o meio escolhido para alcançá-lo é uma indecente violação da família. Não é nada mais nada menos do que doutrinar as crianças, apesar das objeções de seus pais, com um conceito de casamento que é fundamentalmente hostil ao que os pais consideram ser o melhor interesse de seus filhos. Isso frustra a capacidade dos pais de levar seus filhos a um entendimento do casamento que facilite sua entrada no mundo adulto. Ainda numa tenra idade ensina-se às crianças que a razão por trás do casamento não é outra senão o desejo inconstante dos adultos por parceria.

Direito das Instituições Religiosas à Autonomia

À primeira vista, ministros religiosos e templos pareciam estar amplamente imunes a serem coagidos a sancionar ou realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Na verdade, essa foi a grande barganha da legislação sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo – ministros religiosos manteriam o direito de não realizar casamentos que violassem suas crenças religiosas. Templos não poderiam ser compulsoriamente listados contra os desejos dos grupos religiosos.

Deveria ter sido deixado claro desde o início como essa proteção era limitada. Ela evitava apenas que os ministros religiosos fossem coagidos a realizar cerimônias religiosas. Mas, como já foi visto, ela não protegeu sermões ou cartas pastorais do escrutínio das comissões de direitos humanos. Ela deixou as congregações vulneráveis a ameaças legais se elas recusassem alugar suas instalações auxiliares para casais do mesmo sexo realizarem suas recepções de casamento, ou para qualquer outra organização que fosse usar essas instalações a fim de promover uma abordagem da sexualidade totalmente contrária à da congregação que as possui.

Essa proteção também não evitou que governos provinciais e municipais recusassem benefícios a congregações religiosas por causa da sua doutrina sobre casamento. Por exemplo, a lei 13, a mesma legislação que obrigou escolas católicas a abrigar clubes da “Aliança Gay/Hetero” (e a usar esse nome especificamente), também proibiu as escolas públicas de alugas suas instalações para organizações que não concordassem com um código de conduta cujos princípios eram baseados na nova ortodoxia. Dado que muitas congregações cristãs de pequeno porte alugam auditórios de escolas para realizar seus cultos, é fácil reconhecer a sua vulnerabilidade.

Mudanças no Conceito da População sobre o Casamento

Tem-se argumentado que se o casamento entre pessoas do mesmo sexo for institucionalizado, novas categorias de casamento poderão ser aceitas, como a poligamia. Uma vez que se abandona o conceito conjugal de casamento e ele é substituído por um conceito de casamento que tem seu foco na parceria entre adultos, não há princípio ou base moral para se opor à extensão da legalização do casamento para uniões polígamas ou poliamorosas.

Em outras palavras, se o casamento é essencialmente a satisfação do desejo dos adultos por parceria, e se os desejos de alguns adultos se estenderem para arranjos mais incomuns, como negar isso a eles? Eu não vou avaliar essa demanda aqui, mas simplesmente relatar como esse cenário tem se desenrolado no Canadá.
Uma proeminente comunidade polígama na Colúmbia Britânica sentiu-se grandemente encorajada pela criação do casamento entre pessoas do mesmo sexo e proclamou publicamente que não há princípio ou base moral para que o Estado continue a criminalizar a poligamia. De todos os tribunais canadenses, apenas um tribunal considerou a questão de a proibição da poligamia ser constitucional, e forneceu recomendações ao governo da província. A criminalização da poligamia foi mantida, mas numa base restrita que define a poligamia como múltiplos e concomitantes casamentos civis. O tribunal não tratou do fenômeno de múltiplas uniões estáveis. Então, até agora, as múltiplas formas de poligamia e poliamoria praticadas no Canadá ainda não ganharam status legal, mas também não enfrentam nenhum impedimento de ordem prática.

A lição é essa: que a institucionalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo não necessariamente leva à institucionalização da poligamia. Mas o exemplo da Colúmbia Britânica sugere que o único meio de fazê-lo é ignorar princípios. A argumentação no caso da poligamia não explicou de forma convincente porque seria discriminatório não estender a gays e lésbicas a autorização de casar, mas não seria discriminatório deixar polígamos e poliamoristas de fora. Na verdade, o julgamento parece repousar sobre um sentimento contrário a polígamos e poliamoristas, o que não é uma base jurídica estável.

O Impacto na Prática do Casamento

Em relação à prática do casamento, ainda é muito cedo para se dizer qualquer coisa. Os dados do censo de 2011 demonstram que, primeiro, o casamento está em declínio no Canadá, bem como em boa parte do mundo ocidental; segundo, que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é estatisticamente um fenômeno secundário; e terceiro, que há bem poucos casais do mesmo sexo (casados ou não) com crianças em casa.
Há aproximadamente 21 mil casais do mesmo sexo no Canadá, num universo de 6.29 milhões de casais legalmente casados. Casais do mesmo sexo (legalmente casados ou não) constituem 0,8% de todos os casais do Canadá; 9,4% dos 64.575 casais do mesmo sexo (incluindo uniões estáveis e casamentos) tem filhos/crianças em casa, e desses 80% são de casais de lésbicas. Contrastando com isso, 47,2% dos casais heterossexuais tem filhos/crianças em casa. O Canadá parou de acompanhar a taxa de divórcio após 2008, e nunca forneceu dados sobre divórcio de casais do mesmo sexo.

O que nós podemos inferir desses dados é que o casamento entre pessoas do mesmo sexo, contrariando argumentos de que impulsionaria o ressurgimento da cultura do casamento no Canadá, não teve esse efeito. Também não há dados do censo (de um jeito ou de outro) que deem base para argumentos empíricos ligando a institucionalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo à estabilidade do casamento.

Sem dados empíricos sobre a taxa de divórcio (o que não deve mudar no curto prazo), restam-nos apenas argumentos conceituais que devem ser avaliados por seus méritos. Aqui a experiência canadense fornece bastante informação. No fim das contas, a questão é: a institucionalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo se apoia num conceito de casamento que considera valiosa a estabilidade, como no conceito conjugal? Se não, então nós podemos razoavelmente crer que o casamento entre pessoas do mesmo sexo vai acelerar a aceitação cultural de um conceito de casamento – o modelo de parceria entre adultos – que já tem provocado bastante estrago nos últimos 50 anos.

Bradley W. Miller é professor associado de Direito na Universidade do Leste de Ontario e professor convidado pelo programa James Madison sobre Ideais e Instituições Americanas na Universidade de Princeton.

Copyright 2012 Instituto Witherspoon. Todos os direitos reservados.

Publicado originalmente em Public Discourse: Ethics, Law, and the Common Good (Discurso Público: Ética, Lei e o Bem Comum), o jornal online do Instituto Witherspoon de Princeton, NJ, Estados Unidos.
This article originally appeared in Public Discourse: Ethics, Law, and the Common Good, the online journal of the Witherspoon Institute of Princeton, NJ.

Segue abaixo o link do artigo original. 
http://www.thepublicdiscourse.com/2012/11/6758/ 

Usado com permissão. Reprinted with permission.

Tradução e divulgação na língua portuguesa: Bússola Masculina

Um comentário:

  1. Puxa vida, é de se preocupar. No final, quem são os opressores são eles, tiranizando contra todos que os opõe.

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